Avaliação de uma Obra de Arte

– Fatores objetivos e subjetivos –

I. Introdução

A avaliação de uma obra de arte depende sempre de fatores objetivos, fatores subjetivos e do fator mercadológico, o que torna essa atividade muito delicada e exige muito conhecimento técnico, experiência, comprometimento e credibilidade do profissional. Mesmo os fatores objetivos, em muitos casos, têm uma dose de subjetividade de difícil compreensão para aqueles que não conhecem a matéria. O mercado de arte, por exemplo, é um fator objetivo regido, porém, por muita subjetividade. A própria lei maior, de oferta e procura, nesse mercado sofre grande influência dos agentes que o operam. O avaliador é um profissional que conhece o mercado de arte. Ou procura acompanhá-lo. A subjetividade e as dificuldades técnicas que um avaliador enfrenta, quando não se serve de exames laboratoriais para formar juízo sobre a autenticidade de uma obra, mesmo pela dificuldade de acesso a tais exames laboratoriais em nosso país, faz com que muitos avaliadores se especializem em um único artista. Dessa forma se aprofundam em tudo o que diz respeito à produção desse artista. Portanto, em trabalho de avaliação de um lote de obras de vários artistas, a instituição encarregada desse mister deve se servir de vários profissionais com mais especialidade em um ou em outro artista. E se a tarefa envolver autenticação da obra de arte, exames laboratoriais são indispensáveis para um laudo positivo, uma vez que boas falsificações podem convencer até mesmo ao artista falsificado. É emblemático o caso ocorrido com o pintor Marc Chagall, que ao ver uma tela com sua assinatura feita por outro grande falsificador, o francês David Stein, só conseguiu pronunciar uma palavra: “Diabólico” (WEISS, 1999). Se não fosse ele próprio o pintor, Chagall teria considerado autêntica a falsificação produzida por Stein, um falsário que chegava a pintar cinco Picassos em uma manhã.Não existe exame a olho nu que possa afiançar de forma incontestável a autenticidade de uma obra de arte.

Estamos tratando aqui de avaliação profissional séria e, como dissemos, comprometida. É fato que colecionadores, especialmente os neófitos, procuram a opinião de avaliadores para definir seus investimentos e para isso devem procurar sempre avaliadores respeitados no mercado de arte. Para que se tenha uma ideia do problema envolvido na avaliação de uma obra de arte, que deve necessariamente ser antecedida pela autenticação da obra, passamos a relacionar os fatores objetivos e os fatores subjetivos que pautam a atividade do avaliador.

II. Fatores objetivos

1 – Assinatura

A obra de arte assinada tem maior valor de mercado porque pode ser periciada e ter sua autenticidade afiançada. Muitas obras autênticas não possuem assinatura, seja porque o artista não a assinou, seja porque assinou no verso e essa assinatura se perdeu com o tempo ou por reentalamento, seja por ter sido apagada em uma intervenção de restauro inadequada. Na maioria dos casos em que a assinatura foi apagada, exames laboratoriais podem revelá-la. Quando a obra não possui assinatura, sua autenticação inequívoca demandará exames laboratoriais, além da expertise do conhecedor de arte. Pela ausência de exames laboratoriais eficazes para autenticação, uma obra de arte sem assinatura poderá ter seu valor diminuído.

2 – Técnica (obras bidimensionais)

Como dissemos em nossa introdução, mesmo entre fatores objetivos teremos alguma subjetividade. Esse é o caso da técnica empregada na obra. De forma geral, segue-se uma escala de valoração, que reproduzimos abaixo, mas deve-se relativizá-la porque uma aquarela de determinado artista pode valer muito mais que uma pintura à óleo de outro. Por exemplo, no início de 2015 uma aquarela de Van Gogh, de 1882, quando o artista contava 29 anos de idade, foi adquirida em leilão por U$ 1,9 milhões pelo Museu Van Gogh, em Amsterdam. Quantas telas à óleo atingem cifras semelhantes?


Salgueiro – Aquarela de Vincent Van Gogh, de 1882, adquirida em leilão no início de 2015 pelo Museu Van Gogh.

Feita essa consideração, passemos à escala geral de valoração de uma obra de pintura, em ordem decrescente, ou seja, das técnicas com maior valor de mercado para as de menor valor:

  1. Óleo e/ou Acrílico sobre tela e/ou madeira e cartão.
  2. Guache ou têmpera sobre cartão ou papel.
  3. Aquarela, Pastel, lápis de cor e ecoline sobre papel.
  4. Desenhos a nanquim, carvão, sanguínea, sépia e lápis.
  5. Gravuras (litografia, xilogravura, gravura em metal, serigrafia).

3 – Técnica (obras tridimensionais)

Esculturas, relevos (altos e baixos) e outras técnicas tridimensionais, são realizadas em diversos materiais, alguns considerados mais nobres outros considerados menos nobres. Esse conceito está ligado à durabilidade do material, dificuldade que ele oferece de manipulação e também por um fator um tanto subjetivo: tradição.

Outro fator relevante, no caso das esculturas fundidas a partir do original do artista, é sua tiragem. O material usado nas esculturas, as dimensões e tiragens devem ser observados como fatores importantes para avaliação. A prática mundial segue uma lei francesa, de 1968, que determina um número máximo de 12 obras. As 8 primeiras devem ser numeradas de 1/8 até 8/8 e estarão disponíveis para venda ao público. Já os outros 4 exemplares estariam disponíveis para instituições culturais e devem ser numerados de I até IV.

Existe também a modalidade de Peças Múltiplas. Nessa modalidade, cabe ao artista definir o número de exemplares que irá realizar. Por exemplo, se o artista determinar que fundirá 30 exemplares, as peças deverão estar numeradas de 1/30 até 30/30. Cabe também ao artista zelar por essa tiragem. A prática comum é quebrar a matriz quando o último exemplar é fundido, para que ninguém possa repetir a edição.

Peças de tiragem infinita, são quase industriais. São muito utilizadas na confecção de troféus, por exemplo. O artista geralmente realiza essas obras com exclusividade para uma empresa compradora. Nesse caso a tiragem fica atrelada às encomendas dessa empresa, mas o artista deve assinar e datar cada tiragem.

4 – Dimensão

Novamente, um fator objetivo que sofre de alguma subjetividade. O tamanho de uma obra de arte influi em seu valor, mas não o determina. Uma obra de pequenas dimensões, de determinado artista, pode valer muito mais no mercado de arte que uma obra de grandes dimensões do mesmo artista. Fatores como fase, conservação, origem, entre outros, irão compor a avaliação final da obra. Contudo, em obras em que todos os fatores sejam semelhantes, sua dimensão poderá determinar uma maior ou menor valoração.

5 – Conservação

Aqui temos um fator bem objetivo. Uma obra de arte em péssimo estado de conservação demandará intervenção de restauro, o que pode devolver a ela o brilho original ou não, dependendo do estado de deterioração em que se encontre. Por isso é sempre melhor conservar do que restaurar. A conservação é proativa enquanto a restauração é reativa. Uma obra em bom estado de conservação sempre terá um maior valor de mercado.

7- Origem

Uma obra com procedência documentada é uma obra previamente autenticada, além da eliminação do risco de se tratar de obra adquirida pelo vendedor de forma delituosa. Por isso é natural que uma boa origem influa positivamente no valor da obra de arte.

8- Valor histórico

Algumas obras são icônicas de determinados movimentos artísticos. Outras trazem documentação de sua participação em exposições, como salões de arte, por exemplo. Essas obras sempre obterão maior valor de mercado, evidentemente proporcional à importância dos eventos em que participaram.

9 – Bibliografia

Uma obra tem seu valor majorado, quando é citada ou reproduzida em catálogos ou livros. Isso acontece porque passam a ser mais conhecidas, o que aumenta a segurança contra furtos e roubos. É praticamente impossível vender uma obra furtada, quando está publicada em catálogos ou livros, porque os compradores de arte acompanham essas publicações. Pelo mesmo motivo, é tolice falsificar uma obra publicada. Além disso, essas obras passam a ser, em maior ou menor nível, obras de referência dentro de suas categorias.

III. Fatores subjetivos

1 – Autor

Pode parecer estranho o autor da obra figurar entre os fatores subjetivos, porém não tratamos aqui da assinatura ou da identificação do autor, mas sim da expressão que esse artista tem no cenário das artes. Essa expressão também depende de fatores subjetivos, como veremos adiante, mas de modo geral, mesmo sendo contemporâneos e possuindo currículos semelhantes, artistas obtêm cotações diferentes para suas obras. E obtêm cotações diferentes também por força de valores objetivos. Portanto, para avaliação de uma obra de arte, é importante conhecer a trajetória de seu autor. Por isso, como esclarecemos na introdução deste opúsculo, alguns avaliadores se especializam apenas em um determinado artista.

2 – Fase

Aqui novamente faz-se imprescindível o conhecimento da carreira do artista cuja obra se pretende avaliar. Na história de um artista, fatores relacionados ao auge de sua produção nem sempre estão relacionados ao ponto mais alto de sua criatividade. E a fase mais criativa tende a ser a mais valorizada. Outros fatores como sua biografia, a relação de fatos históricos relacionados à produção de determinada obra ou de uma série de obras do artista, também influenciam sua fase e o valor da obra. Tomemos por exemplos a obra “Guernica” de Picasso, realizada quando o artista estava sob o impacto do bombardeio à cidade de Guernica, por aviões alemães, em 1937, ou a série de 82 gravuras “Os Desastres da Guerra”, de Goya, realizadas entre 1810 e 1815, que registrou para a história a invasão do exército de Napoleão Bonaparte à Espanha, 1808. Grandes artistas, de alto valor de mercado, mas essas obras têm, indiscutivelmente, um grande valor histórico agregado. Portanto a fase de um artista, que independe de cronologia, é fator relevante na avaliação de sua obra.


Da série “Os Horrores da Guerra” (“Que se tem de fazer mais?” – n° 33) Francisco Goya, de 1810/15, Museu do Prado, Madrid.


“Guernica”, Pablo Picasso, de 1937, Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Madrid.

3 – Tema

O tema, geralmente,caracteriza um artista. De modo geral, o artista se notabiliza com determinado tema e esse tema passa a identificá-lo. O que não significa que um artista não possa experimentar vários temas, como o fizeram os gênios mais indomáveis. O mercado, contudo limita essa experimentação, ao “pedir” que o artista se defina por um tema. O mercado e seus atores, se sentem mais confortáveis com essa tipicidade. Quando a obra ou uma fase da obra de um artista está relacionada a um tema, essa definição acaba por interferir na avaliação de sua obra. Mas, esse é um fator subjetivo, porque depende da biografia do artista, do conjunto de sua produção e da consistência de suas fases e expressão artística.

4 – Modismo

Aqui temos um fator subjetivo ditado pelo mercado. Existe um público que consome obras de arte como elementos de decoração. Por isso, certos temas, técnicas e artistas são mais requeridos pelo mercado de arte, em certos momentos. Alguns artistas, por sobrevivência, cedem à pressão do mercado e acabam por adequar sua produção para atendê-lo. Outros não.

Conhecer esses modismos, suas épocas e confrontá-los com a produção do artista avaliado, constitui fator de valoração da obra. Curiosamente, obras que atendem aos modismos do mercado, conseguem melhor cotação no tempo de seu modismo, mas o grande juiz da arte é o tempo. E o avaliador deve conhecer também esse espírito do tempo, ou seja, a história da arte como um todo.

5 – Factoides

Existem, muitas vezes, factoides criados por agentes do mercado de arte, como marchands, leiloeiros, agentes de artistas e seus assessores de imprensa e até mesmo galeristas e decoradores que fazem o preço da obra de determinado artista subir de forma pouco compreensível, se considerarmos os fatores objetivos. Essa é uma realidade quase inconfessável desse mercado, porém absolutamente presente nele. O avaliador não dita as regras do mercado de arte e nem tem o poder de corrigir distorções provocadas por esses factoides. Por isso cabe a esse profissional acompanhar o mercado para avaliar uma obra de arte.

IV. Fator mercadológico

Se o mercado dita suas regras, a avaliação de uma obra de arte exige um levantamento dos preços realizados por esse mercado na venda de obras semelhantes à obra que se avalia. Semelhantes tanto nos aspectos objetivos como nos subjetivos. Quanto maior o número de obras, semelhantes à obra que se avalia, negociadas por esse mercado, maior o número de dados para avaliação.

O levantamento desses dados é importante para que o avaliador possa ponderá-los e emitir um laudo de avaliação realista, com valor muito aproximado do que o mercado realizaria na venda da obra avaliada. Mesmo assim, o mercado traz surpresas, de forma que por mais técnica que seja a avaliação da obra de arte, ela poderá alcançar um valor maior ou menor em um leilão, por exemplo. Esse fenômeno ocorre devido aos fatores subjetivos mencionados, especialmente ao modismo e aos factoides.


Referências
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CAVALHEIRO, Pedro Jacintho. Exames Periciais Forenses para Pintura. São Paulo:
Dissertação de Mestrado – ECA/USP, 2005.
CORBETTA, Gloria. Manual do Escultor. Age Editora, Porto Alegre/RS, 2003.
BLOG DO ARTUR XEXÉO, em O Globo, 25 de março de 2015
http://oglobo.globo.com/cultura/xexeo/posts/2012/05/10/uma-nova-obra-paramuseu-
van-gogh-444371.asp
BOLSA DE ARTE DO RIO DE JANEIRO
http://www.bolsadearte.com/compra-venda/criterios-de-avaliacao/
MUSEU VAN GOGH, Amsterdam
http://www.vangoghmuseum.nl/
MUSEO NACIONAL CENTRO DE ARTE REINA SOFIA, Madrid
http://www.museoreinasofia.es/
WEISS, Ana. No Brasil, fraudes são cópias toscas. Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo, 01 ago. 1999. Caderno 2 / Cultura – D, p.12.