Primeira Metade do Século XX

Na Europa o Século XX inicia ao sabor da percepção dos primeiros efeitos colaterais da revolução industrial e no clima tenso que anunciava a Primeira Guerra Mundial que eclodiria em 1914. A arte está em ebulição. A fotografia, surgida no século XIX, tornou-se uma realidade e a reflexão sobre a função da arte e do artista faz-se mais presente. Em 1900 acontece em Paris a grande Exposição Universal. Um evento que marcaria, especialmente com a retrospectiva de Rodin em pavilhão anexo, o despontar do material como centro da obra ao lado do tema. A linguagem plástica colhe a liberdade semeada pelos impressionistas, alguns de seus antecessores e seus pósteros do século XIX. É emblemática desse momento a frase de Maurice de Vlaminck, um dos artistas participantes da Exposição Universal de Paris de 1900: “Com meus cobaltos e vermelhões, eu quero botar fogo na Escola de Belas Artes”.

No Brasil a expressão plástica inicia o século ainda subordinada aos cânones acadêmicos impostos a partir da vinda da Missão Artística Francesa. Já temos por aqui atrevimentos, ensaios de libertação da imposição acadêmica, como em Henrique Bernardelli, Lucílio de Albuquerque e Eliseu Visconti, por exemplo. Nossos artistas vão à Europa desenvolver seus estudos, têm contato com as novas correntes e passam a experimentar linguagens como a impressionista e a pontilhista. É importante ressaltar que não apenas no Brasil, mas quase em todos os países trilhava-se os caminhos acadêmicos. A exceção é Paris. A capital francesa é o laboratório das grandes inovações para onde convergem artistas de todo o mundo. De volta ao Brasil, muito embora como epígonos de um fazer desassociado dos contextos geradores dessas inovações, muitos artistas procuram, à medida do possível, ousar. Invariavelmente os que ousam são maltratados pela crítica e amados pelo público. Como aconteceu, por exemplo, com Antonio Parreiras que em 1925 foi eleito o mais popular pintor brasileiro, tendo conquistado fama e riqueza.

Mas que Brasil é esse da primeira metade do século XX?
Em 1900 concluí-se a construção do prédio ocupado hoje pela Pinacoteca do Estado de São Paulo que fora projetado por Ramos de Azevedo, em 1897, para abrigar o Liceu de Artes e Ofícios, instituição fundada por técnicos ingleses que vieram ao Brasil para construir a ferrovia da “São Paulo Railway Company”, hoje Santos-Jundiaí por onde trafegam os trens de passageiros da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Tendo resolvido viver no Brasil, fundaram uma escola de alto nível para seus filhos. Foi o primeiro prédio em alvenaria de São Paulo. Os tijolos foram importados da Inglaterra porque não existiam olarias por aqui. A São Paulo das grandes edificações começa a surgir com essa obra em 1900.
No início do século, movidos pela peste bubônica que entra pelo porto de Santos, funda-se o Instituto Soroterápico Municipal no Rio de Janeiro, mais tarde Instituto Oswaldo Cruz e o Instituto Butantã na cidade de São Paulo vinculado ao Instituto Bacteriológico, hoje Instituto Adolpho Lutz. A Belle Époque brasileira não é uma época tão bela assim, embora iluminada pelo estado de espírito otimista reinante entre a proclamação da República e a primeira guerra e pelas obras de grandes mestres como Rodolfo Amoedo, os irmãos Carlos e Rodolfo Chambelland, Eliseu Visconti, os irmãos Rodolfo, Felix e Henrique Bernardelli, Antonio Parreiras, Belmiro de Almeida, os irmãos João e Arthur Timóteo da Costa, o casal Georgina e Lucílio de Albuquerque, Pedro Weingärtner, Henrique Cavalleiro, Eugênio Latour, Pedro Américo, Zeferino da Costa entre outros. Alguns deles participaram da Exposição Universal de Paris de 1900: Pedro Américo, Pedro Weingartner e Eliseu Visconti, contemplado com medalha de prata.

A primeira metade do século é de grande ebulição na vida política e nas artes. Uma ebulição diferente da vivida na Europa no mesmo período, onde emergem inúmeros novos movimentos artísticos como o Fauvismo, o Futurismo, o movimento Baue Reiter (Cavaleiro Azul), o Cubismo, o Suprematismo, o Construtivismo, o Neoplasticismo, o Dadísmo, a Bauhaus, o Realismo, o Surrealismo, o Simbolismo, o o Abstracionismo, entra em cena o Ready Made… Embora sem a mesma profusão de “ismos” no Brasil, a primeira metade do século é de uma ebulição profunda e fundamental para a construção de nossa identidade. De um lado o projeto encetado pelo diretor do Museu Paulista, o historiador Affonso d’Escragnolle Taunay que encomendou painéis com criação de cenas históricas a Henrique Bernardelli (“O ciclo da caça ao índio” e, posteriormente, “A retirada do Cabo de São Roque”); a Rodolfo Amoedo (um painel onde um chefe bandeirante presidisse uma cena de varação de canoas e outro em que escalasse uma montanha aurífera) com o objetivo de realizar a criação de um documento histórico iconográfico para o Brasil, quando do primeiro centenário de nossa independência. Como já acontecera com a obra histórica de Pedro Américo. Buscava-se criar no imaginário coletivo uma visão heróica de nossa história, através da arte. De outro lado é colocada na mesa a discussão sobre a verdadeira identidade cultural brasileira a partir da Semana de Arte Moderna de 1922. Passamos pela revolução constitucionalista de 1932, quando José Washt Rodrigues cria o brasão de São Paulo, pela imposição do Estado Novo por Getúlio Vargas em 1937 e pelos efeitos da Segunda Guerra Mundial ocorrida entre 1939 e 1945, ano em que Getúlio é deposto.

Os artistas ligados ao movimento modernista brilham em sua revolução artística e intelectual, não por trazerem necessariamente algo novo em termos de linguagens plásticas, se considerarmos a Europa, mas pela reflexão urgente para um país novo e ávido de entender seu próprio processo histórico. Assim, inscrevem seus nomes na história da arte brasileira, os pintores Anita Malfatti, Di Cavalcanti, John Graz, Vicente Rego Monteiro, Zina Aíta, Ferrignac (nome artístico de Ignácio da Costa Ferreira), Alberto Martins Ribeiro, João Fernando de Almeida Prado, Osvaldo Goeldi, Antonio Paim Vieira; os escultores Victor Brecheret, Wilhelm Haerberg, Hildegardo Leão Veloso; os arquitetos Antoni Garcia Moya e Georg Przyrembel; os músicos Villa-Lobos, Guiomar Novais, Ernani Braga, Frutuoso Viana, Paulina d’Ambrosio, Lucília Villa-Lobos, Alfredo Corazza, Pedro Vieira, Antão Soares, Orlando Frederico e a dançarina Yvonne Daumerie. Discursando sobre o ideário estético apresentado na semana, estiveram Graça Aranha, Ronald de Carvalho, Menotti del Picchia e Mário de Andrade.

Agora, de um movimento nascido no seio da cultura brasileira, a Semana de Arte Moderna de 22, o Brasil veria surgirem desdobramentos, como o Manifesto da Poesia Pau-Brasil, em 1924, o Manifesto Antropofágico, em 1928, ambos de Oswald de Andrade. As novas propostas da segunda geração modernista, não como simples epígonos distantes dos contextos sociais e históricos geradores dos novos movimentos, mas como o resultado de uma fervura abrandada que assimila, digere e produz algo autêntico a que chamamos de cultura. A arte brasileira não seria mais a mesma e estava pronta para uma nova etapa perante o mundo: não só a de assimiladora das correntes européias, mas de participante com sua identidade caleidoscópica.

O florescimento de um novo tempo na arte brasileira traz nomes como Oscar Niemeyer, Portinari, Rebolo, Djanira, Milton Dacosta, Aldo Bonadei, Pancetti, Bruno Giorgi, Flávio de Carvalho, Clóvis Graciano, José Antônio da Silva, entre outros. O pincel de Lazar Segall, precursor do modernismo brasileiro, grita os horrores da guerra em seu “Navio de Emigrantes”, 1939-1941.

Passada a segunda grande guerra o Brasil veria nascer em 1947 o Museu de Arte de São Paulo; em 1948 os Museus de Arte Moderna do Rio de Janeiro e de São Paulo, que seria inaugurado no ano seguinte com a exposição “Do Figurativismo ao Abstracionismo”; no mesmo 1949 Portinari conclui seu corajoso e emocionante painel Tiradentes. O Brasil encontrara seu próprio rosto e, conseqüentemente, um caminho na arte.