Chegamos ao Século XXI sem final do mundo e sem as mortes, algumas vezes até anunciadas, de linguagens plásticas, técnicas ou de materiais artísticos de uso tradicional. E nem poderia ser diferente. Afinal, não é o pentagrama que define o valor criativo de uma nova composição musical. Em outras palavras, não é o artefato que define o mentefato.
Estamos indubitavelmente diante de um tempo de pluralidade. As mais variadas formas de expressão plástica convivem nos dias atuais. Há espaço para tudo e falta espaço para quase todos. Os dias atuais são dicotômicos e essa dicotomia, também já não é lá tão atual assim. Por outro lado, até mesmo dentro das Bienais Internacionais de Arte de São Paulo, um dos mais importantes eventos artísticos do mundo, vemos manifestações artísticas que, embora em muitos casos impactem, repetem fórmulas já bem conhecidas no Século XX.
Se pensarmos como comensais que procuram sempre um prato novo no mesmo restaurante, acabaremos por achar que nada mais está por fazer. Que já provamos de tudo. Que as possibilidades criativas estão esgotadas. Mas esse pensamento é fruto de um momento de libertação no curso da história da arte: o da profusão de “ismos” ocorrida no Sáculo XX. As expectativas dos comensais da arte voltaram-se para o surgimento do novo “ismo” que haveria de romper com tudo o que veio antes. Porém, deparamo-nos com o esgotamento dessa criatividade de guerrilha. Não há mais Instalação que nos surpreenda. Não causa espécie o Grafiti ou a Street Art. Já começa a virar rotina a Arte Eletrônica ou a Internet Art. Afinal, até mesmo a expressão “tecnologia de ponta” perde a credibilidade diante dos lançamentos quase cotidianos das novidades tecnológicas, expostas nas vitrines de qualquer loja. Não nos pega desavisados uma Performance, por mais estranha que seja, ou um ReadyMade feito de materiais insólitos ou repugnantes. A Arte Ambiental espera um século mais respirável. Será? O que pode chocar mais do que certas imagens mostradas em um telejornal?
Por outro lado surpreende a resistente contemporaneidade do aparentemente velho como, por exemplo, a Arte Primitiva em franca vitalidade nos quatro cantos do mundo.
O que é o novo em matéria de arte? Como falar da arte do Século XXI quando ele ainda está abrindo os olhos para a vida? Como dissemos em textos de períodos anteriores, a evolução não dá saltos. Acontece paulatinamente e requer a maturação do tempo. Não existe evolução “Prêt-à-Porte” ou “transição em pó”, à venda em frascos nas lojas de suplementos alimentares. É temeroso decretar agora o que é bom ou mal em arte no exato momento em que se vive. Quantos críticos do passado fizeram isso com seus contemporâneos para depois cair no ridículo? Por outro lado, é do ofício do crítico fazer a crítica e não se pode abrir mão do direito e, no caso, do dever de manifestar opiniões. O fato é que, definitivamente, os processos evolutivos humanos que se manifestam no sintoma chamado “arte”, desconhecem os calendários com suas viradas comemoradas de século. O processo se desenrola naturalmente e mudanças na arte acontecem quando mudanças sociais acontecem e porque acontecem.
Para que se tenha uma visão absolutamente clara sobre a produção artística de nossos dias, é necessário esperar que esses dias passem. Precisamos de distanciamento histórico. A verdade acaba sendo invariavelmente consagrada pelo tempo. A partir dessa perspectiva o que todos nós, pesquisadores, estudantes, promotores e apaixonados pela arte em geral, podemos buscar na produção de um artista é sua verdade. Há que existir verdade na obra de arte. Refiro-me à sinceridade de propósitos, à paixão, à honestidade. Ou seja, devemos buscar o mentefato autêntico independendo da técnica ou material empregado. O artefato tornou-se o detalhe da arte e, embora deva ser igualmente honesto, não é mais a pegada do artista na areia do tempo. Legitimidade talvez seja a palavra que resuma a boa obra de arte. E não me refiro aqui a uma obra não-falsificada. Refiro-me à legitimidade de propósitos de alguém que assumiu responsavelmente seu papel de artista no cenário do mundo.
Dentro de uma perspectiva de construção do futuro, o melhor a fazer no momento é criar espaços sociais, físicos e imateriais, para que a arte se desenvolva, se mostre e para que o artista produza. É preciso fomentar a arte. É necessário abrir espaço para o novo: não para o novo prato, voltando ao restaurante, mas para novos “Maîtres”. Não porque novos “Maîtres” sejam capazes de inventar novos legumes, novas frutas, novas carnes etc, mas porque podem inventar novos pratos com os mesmos ingredientes. Não se renova a arte apenas com o recozimento dos velhos pratos já de há muito postos à mesa. Também não se trata de rejeição ao velho, mas sim, de dar oportunidade e mercado para o novo. Quem sabe o século XXI traga essa novidade na arte brasileira: mercado e visibilidade para o artista plástico.
Agora, o futuro!