O Século XV

Quadrante – Instrumento de Navegação do Século XV

O Século XV é o século do descobrimento da América. Mas, esse fato aconteceu apenas no final do século, no ano de 1492. No Brasil, os portugueses aportariam somente em 1500 com o fito de tomar posse de seu quinhão de terra do novo mundo. Portanto a história de nossa arte, ainda não começa a ser contada no Século XV, mas uma digressão a esse período nos ajudará a compreender melhor o processo que desembocará no Século XVI e, conseqüentemente, no início da história do Brasil como o conhecemos hoje.

Embora o século XV seja o século em que surge o Renascimento, em 1420, há um percurso entre seu surgimento e sua existência plena, uma vez que em matéria de evolução não há saltos. Além disso, os processos de passagem de situações nebulosas para situações mais claras, no caso passagem da mentalidade medieval para a mentalidade renascentista, sofrerão efeitos semelhantes aos refluxos da maré: avançam e recuam repetidamente até atingir a praia.

O Renascimento acontece em pleno medievo e não apenas porque a data fixada como final da Idade Média seja 1453, quando Constantinopla é capturada pelos turcos otomanos sob o comando do Sultão Maomé II (fato histórico conhecido como “A Queda de Constantinopla”), mas porque as sombras da mentalidade medieval ainda acompanhariam o homem por muito tempo. A mentalidade medieval ainda será objeto de reflexões nos textos sobre os séculos XVI e XVII.

O Quattrocento apresenta uma Europa em grandes ebulições, com países estabelecendo seus territórios em meio a embates e combates constantes. Em 1412, por exemplo, são assinadas as Leis de Valhadolid, que eram um conjunto de decretos de repressão aos Judeus emitidos no reino de Castilla y León durante o reinado de João II de Castilla. Estas Leis foram precursoras da criação dos guetos. O Quattrocento ainda assiste a uma guerra que entra para a história como Guerra dos Cem Anos, que se iniciara no século XIV envolvendo França e Inglaterra, e que durou 116 anos.

É no cenário dessa guerra que surge a figura singular de Joana d’Arc, que comandando um exército de 4.000 homens, sob orientação das vozes que ouvia, libertou a cidade de Orléans do invasor inglês e levou Carlos VII a ser coroado Rei da França, em 1429, na Catedral de Reims. A mesma Joana d’Arc, em processo inquisitório promovido por ação isolada da Igreja Católica da Inglaterra, é condenada em 1431 a ser queimada viva em uma fogueira, na cidade de Rouen sob acusação de heresia. Vinte e cinco anos depois, em 1456, o Papa Calisto III declarou Joana inocente, invalidando o processo que a condenara. O Século XV é um tempo de sombras e luzes, fluxos e refluxos de uma mesma maré que luta para atingir a terra firme das conquistas éticas e sociais. Depois de um esquecimento de muitos anos, a personagem Joana d’Arc é resgatada e, em 1920, declarada Santa pelo Papa Bento XV.

O Quattrocento apresenta uma Igreja Católica vivendo o Grande Cisma (1378 – 1417) que chega criar no princípio do século um momento com três Papas, todos reclamando o direito ao trono de Pedro ao mesmo tempo, em um estabelecimento de Igreja-Estado com Papas-Soberanos-Generais, com enorme influência em todo o jogo de poder no velho continente. Sob o conflito político do cisma, o poder temporal da Igreja não podia ainda ser ameaçado por idéias reformistas. Assim, em 1415 o acadêmico, pensador, teólogo e lingüista tcheco Jan Hus, cujas idéias precedem o movimento protestante, é condenado pelo Concílio Ecumênico de Constança (Konstanz), Alemanha, onde é queimado vivo. Hus, também criador do sistema de acentuação da língua tcheca, morre cantando na fogueira. Em 1416, Jerônimo de Praga, principal discípulo de Jan Hus, também acadêmico, teólogo e igualmente precursor do protestantismo, é condenado, assim como seu mestre, a ser queimado vivo. Condenado e executado no mesmo dia, em 30 de maio. Como se vê o Renascimento não dissipa de imediato as sombras medievais da mentalidade humana, mas é uma semente fundamental plantada em solo europeu.

O Quattrocento apresenta também uma Europa ávida de ampliar seus horizontes. Época de navegações que redesenham o continente europeu como, por exemplo, acontece com Portugal que em 1415 cria a Escola de Sagres e deflagra um grande ciclo de navegações. Esse ciclo promove o achamento das próprias terras portuguesas como ocorreu em 1418 quando o navegador português João Gonçalves Zarco, escudeiro do Infante D. Henrique, desembarcou na Ilha de Porto Santo e, em 1419, na Ilha da Madeira, ambas no arquipélago da Madeira. Em 1427, o navegador português Diogo de Silves descobriu as ilhas do grupo central e oriental do arquipélago dos Açores e somente em 1450, outro navegador português, Diogo de Teive, descobre a Ilha das Flores, no mesmo arquipélago.

Esta é a época do início das grandes navegações com a invenção portuguesa da Caravela, que cruzará oceanos. Em 1434, o navegador português Gil Eanes consegue, após quinze tentativas, dobrar o Cabo Bojador, na costa do Saara Ocidental, no Marrocos, graças ao novo invento. Em 1446, o navegador e explorador português Álvaro Fernandes chega à Guiné-Bissau, costa ocidental da África.

Como dissemos, o Quattrocento apresenta, o surgimento de um momento emocionante da emancipação da alma humana a que se chamou Renascimento. O que não significa que a luz se tenha feito de imediato. Pelo contrário. Em 1434 é encontrado ouro na região da Guiné. Em 1441, chega a Portugal o primeiro carregamento de escravos trazidos da África. Em 1452 o Papa Nicolau V (Tommasso Parentuacelli di Sarzana) autoriza Afonso V de Portugal a escravizar os “infiéis da África Ocidental”, ao sul do Cabo Borjador, através da bula papal “Dum Diversas”, dando assim legitimação “cristã” a toda sorte de violências praticadas contra os africanos, assim como ao roubo de ouro do continente negro. Ouro que teve papel fundamental no financiamento das grandes navegações.

Em 1454, o Papa Nicolau V concede, por expedição de bula, o monopólio das expedições marítimas ao Infante D. Henrique. Em 1455, o mesmo Papa expede a bula “Romanus Pontifex” que reconhece aos reis de Portugal a posse das terras e mares já descobertos ou por descobrir. Tal documento representa o conhecimento, por direito internacional, do espírito de cruzada dos descobrimentos henriquinos. Esse documento confirmaria também o direito de Portugal escravizar os infiéis africanos, já exarado na bula “Dum diversas”.

Em 1460, o navegador e explorador português Diogo Gomes (de Sintra) descobre o Arquipélago de Cabo Verde, na África. Até meados do século XIX, Cabo Verde foi importante entreposto no tráfico de escravos para os Estados Unidos da América, para o Caribe e para o Brasil.

Em 1480, os reis católicos de Castela e Aragão, Isabel e Fernando, obtêm do Papa a autorização para a fundação do Tribunal do Santo Ofício: a Inquisição. A Inquisição já começara em 1183, pela ação dos delegados pontifícios enviados pelo Papa Lúcio III (Ubaldo Allucingoli) para reprimir os Cátaros na cidade de Albi, ao sul da França, e reiniciado oficialmente com a bula papal “Licet ad capiendos” de Gregório IX, em 1233. Mas, é com o Tribunal do Santo Ofício que a Inquisição se torna uma ferramenta da fé a serviço da unificação de um Estado, no caso a Espanha, e se torna uma das mais violentas instituições da história da humanidade. Toda a história do período é pontuada por esse constante refluxo de maré que ora avança, ora recua e puxa para o fundo.

Em 1481, o Papa Sisto IV (Francesco Della Rovere) expede a bula papal “Aeterni regis” confere todos os territórios a Sul das Ilhas Canárias a Portugal. Em 1483, o navegador português Diogo Cão descobre a foz do Rio Congo. Em 1488, outro navegador português Bartolomeu Dias, dobra pela primeira vez o Cabo das Tormentas, depois chamado de Cabo da Boa Esperança, que houvera sido descoberto em 1485.

Em 1492 – Cristóvão Colombo parte da Espanha em 3 de agosto e chega em 12 de outubro às Bahamas. Este feito marca o descobrimento da América. Em 1494 é assinado o Tratado de Tordesilhas, no qual Portugal e Espanha dividem entre si a parte do mundo novo já descoberto e o que estava ainda por descobrir.

Seguem as grandes navegações. Em 1498, o navegador português Vasco da Gama chega à Ilha de Moçambique. Em 1498, o navegador português Duarte Pacheco Pereira, segundo algumas versões, teria chegado ao Brasil, dois anos antes de Pedro Álvares Cabral. Em 1499, o navegador português Vasco da Gama volta à Portugal depois de sua bem sucedida viagem à Índias. EM 1499, o navegador espanhol Vicente Yáñez Pinzón parte da Espanha em viagem que teria atingido a costa brasileira três meses antes de Pedro Álvares Cabral.

Em 1500, o navegador português Pedro Álvares Cabral chega ao Brasil em 22 de abril e toma posse da terra em nome do rei D. Manuel I de Portugal. Quatro dias depois já se celebra a primeira missa no Brasil. A Cabral é atribuído oficialmente o descobrimento ou achamento do Brasil.

O Século XV foi uma fase de grandes turbulências, guerras, perseguições, disputas por territórios, grandes navegações, mas falemos agora de algumas luzes do Renascimento, que trouxe um momento mágico para história da arte e do pensamento no mundo.

É emblemático o fato de logo ao raiar do século, em 1401, ter nascido aquele que seria o primeiro grande pintor e mestre do Quattrocento na Renascença Italiana: Masaccio (m.1428). Em 1436, o arquiteto Filippo Brunelleschi (1377-1446) termina a construção da cúpula da Basílica Santa Maria del Fiore, Duomo di Firenze. Em 1440, o inventor alemão Gutenberg (Johannes Gensfleisch zur Laden zum Gutemberg, c.1390-1468) desenvolve tipos móveis, individuais de metal e tintas à base de óleo para impressão. Com isso dá à luz a prensa gráfica móvel. Esse evento marca a invenção da imprensa. Em 1456, o matemático e cosmógrafo alemão Hans Müller (Johannes Müller von Königsberg, 1436–1476), também chamado Regiomontanus ou Regiomontano (tradução latina para Königsberg), inventa os sinais de + e -.

Em 1469, é encontrada a peça de teatro francesa La farce de maître Pathelin (A Farsa do Advogado Pathelin). Essa peça composta no fim da Idade Média, por volta de 1460, foi encontrada somente em 1469 e impressa pela primeira vez em 1474. De autor desconhecido, é considerada a primeira comédia da literatura francesa e uma das mais importantes obras do teatro medieval. Satírica, a peça critica os comerciantes e os homens da Lei do século XV, as classes sociais então mais importantes da França. Todos os personagens são velhacos e Pathelin, o protagonista, mente cinicamente. Atribui-se a autoria dessa peça a Pierre Blanchet ou a Antoine de La Sale.

Em 1473, por determinação do Papa Sisto IV (Francesco Della Rovere), inicia-se a construção da Capela Sistina, nome que homenageia o Papa Sisto IV. O autor do projeto, inicialmente despretensioso, foi o arquiteto e escultor italiano Baccio Pontelli (1450-1492). Construída entre 1473 e 1484, sob a supervisão de Giovannino de’ Dólci (? —1486) teve a participação de alguns gênios do Renascimento como: Perugino, Botticelli, Ghirlandaio, Rosselli, Signorelli, Pinturicchio, Piero di Cosimo, Bartolomeo della Gatta, Rafael e outros. Alguns anos mais tarde, a Capela Sistina recebeu a colaboração de um dos maiores gênios artísticos de todos os tempos com seus afrescos do teto e do altar: Michelangelo Buonarroti.

Em 1480, outro gênio, o inigualável Leonardo da Vinci inventa o pára-quedas. Em 1494, é publicado na Itália o tratado de matemática do Frei Luca Pacciolo “Summa de Arithmetica, Geometria, Proportioni e Proporcionalita”. Esse tratado incluía um capítulo sobre registros contábeis.

A produção artística e intelectual do Renascimento é bem conhecida, mas vale dizer que ela coloca o homem no centro do universo ideológico, em um tempo de arte feita para a fé. Valores humanistas da antigüidade clássica renascem. Na pauta os grandes filósofos da Grécia Antiga, o gosto pela pesquisa, pela investigação. A busca por entender a anatomia humana na dissecação secreta de cadáveres e de, ao mesmo tempo, entender a alma humana, entre sentimentos de “agonia e êxtase” tem seu operário maior em Michelangelo, senhor de todas as artes. A necessidade de entender o mundo desde sua topografia à sua cosmologia e de, ao mesmo tempo, inventar um mundo novo tem sua mais significativa expressão em Da Vinci. É a luz que se acende para iluminar as trevas medievais. Levaria ainda algum tempo, mas o mundo não voltaria a ser o mesmo.