O Século XVI é para o Brasil o século de seu “descobrimento” ou “achamento”. Em que pese o fato de que discussões existem em torno de visitas de outros europeus à costa brasileira antes da chegada da expedição de Pedro Álvares Cabral a Porto Seguro, na Bahia, como a discussão cercada de maior verossimilhança sobre a vinda do navegador espanhol Vicente Yáñez Pinzón ao Cabo de Santo Agostinho, na atual Praia do Paraíso em Pernambuco, quase três meses antes de Cabral, o feito da colonização do Brasil é, indiscutivelmente, português.
O conhecimento da existência da América era obviamente prévio: Cristóvão Colombo descobre o novo continente em 1492 e Espanha e Portugal assinaram em 1494 o Tratado de Tordesilhas, dividindo entre os dois reinados as terras do Novo Mundo, inclusive as que ainda estavam por explorar. O conhecimento da existência das terras brasileiras era também provavelmente prévio. Conta-se que o navegador português Duarte Pacheco Pereira, que houvera assinado o Tratado de Tordesilhas, na “qualidade de contínuo da casa do senhor rei de Portugal”, teria comandado uma expedição secreta para reconhecer as zonas situadas para além da linha de demarcação de Tordesilhas, em 1498, por ordem de D. Manuel I. Essa expedição de reconhecimento teria partido do Arquipélago de Cabo Verde e chegado em algum ponto da costa entre o Maranhão e o Pará, entre os meses de Novembro e Dezembro daquele mesmo ano. Depois teria navegado pela costa norte e alcançando a foz do rio Amazonas e a ilha do Marajó. Assim o Brasil teria sido descoberto em 1498 por Duarte Pacheco Pereira. Contudo, o ano de 1500 será o marco oficial do início do processo colonizatório português em solo brasileiro. É o ano de nascimento do Brasil tal como o conhecemos hoje: multiétnico e lusófono.
Na “Terra das Palmeiras”, Pindorama em Tupi-guarani, existiam culturas pré-cabralinas que se perdem nos evos dos tempos. Os registros dos povos, que antecedem a presença colonizadora em nossa terra, remontam ao Paleolítico Superior. Contudo, esta breve digressão sobre o Século XVI não tratará da arte indígena e da arte rupestre, presentes no Brasil, porque cada uma delas pediria capítulo à parte.
A chegada do colonizador não corresponde a uma decisão de colonizar para construir um novo país. Longe disso, a motivação do colonizador é a exploração de riquezas a começar pelo valioso pau-brasil, de cuja madeira se extraía um corante vermelho que servia para tingir tecidos e fabricar tinta de escrever. Com ele se fabricava móveis e embarcações. Por isso, era natural que outros povos europeus tentassem tomar para si um pedaço desse novo mundo que instigava a imaginação dos aventureiros. Assim, as primeiras investidas francesas, pós-descobrimento, à costa brasileira já ocorrem em 1504.
Nos primeiros 30 anos de domínio, o egresso português limitou-se à instalação de feitorias rudimentares encarregadas da extrair o pau-brasil de nossa mata Atlântica e enviá-la para a Europa. Foram 30 anos de exploração da costa brasileira também por holandeses, ingleses e, principalmente, franceses além dos corsários. Com esse mesmo escopo, de tirar proveito, os franceses chegam a Pernambuco em 1529. Para assegurar seu domínio sobre a nova terra, Portugal envia sua primeira expedição propriamente colonizadora, chefiada por Martin Afonso de Souza, em 1530.
Enquanto isso, a Europa vive o Renascimento. Desde a chegada de Cabral até a chegada de Martin Afonso, passam-se 30 anos de fulgor renascentista no velho continente. Mencionamos aqui alguns fatos ocorridos na Europa nessas três décadas de presença do colonizador europeu no Brasil, para que se tenha uma dimensão do que acontecia no Velho Continente nesse período. Vejamos.
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No ano de 1500, Albrecht Dürer (1471-1528) pinta seu autorretrato, o primeiro reconhecido como tal pela história da arte, e em Lisboa começa a construção do exuberante Convento dos Jerônimos, obra prima em estilo Manuelino. Em 1501, Michelangelo Buonarrotti (1475-1564), dá à luz a magnífica “Pietà” e com atrevimento esculpe seu nome na faixa que atravessa transversalmente o busto de Maria. Em 1504, Michelangelo conclui sua grande estátua de Davi: quatro metros de altura em bloco único de mármore. Em 1505, Hieronymus Bosh (1450-1516) conclui o tríptico “Jardim das Delícias Terrenas” antecipando-se ao Surrealismo e ao Simbolismo. O arquiteto Donato Bramante (1444-1514) inicia a construção da Basílica de São Pedro em Roma. Em 1507 Leonardo Da Vinci (1452-1519) da à luz sua famosa pintura “La Gioconda” ou “Monna Lisa” e Rafael Sanzio (1483-1520) pinta a “Madona com o Menino Jesus e São João Batista”. Entre 1508 e 1512, Michelangelo pinta o teto da Capela Sistina e se torna o precursor do Maneirismo e do Romantismo. Mathias Grünewald (1480-1528) entre 1512 e 1515, realiza seu Retábulo de Isenheim. Grünewald foi um maneirista precursor do Realismo, do Simbolismo e do Expressionismo. Também entre 1512 e 1516, Michelangelo “liberta do mármore” seu magnífico “Moisés”. Em 1513 Nicolau Maquiavel (Niccolò Machiavelli, 1469-1527) escreve “O Príncipe”.
Em 1516, o filósofo italiano Pietro Pomponazzi (1462-1525), lança o tratado “Da Imortalidade da Alma” (De immortalitate animae) onde questionou a interpretação que São Thomás de Aquino fizera de Aristóteles e afirmou que as evidências sugerem que a alma é imortal. No mesmo ano Thomas More (1478-1535) escreve o livro “Utopia”.
Ainda em 1516 o teólogo e humanista neerlandês Erasmo de Rotterdam (Desiderius Erasmus Roterodamus, 1466-1536), publica sua edição crítica no Novo Testamento, que incluía uma tradução em Latim e manuscritos há pouco tempo descobertos. Foi na segunda edição dessa obra que o termo “Testamentum” apareceu em substituição ao termo “Instrumentum”. Foi a primeira vez que um acadêmico competente e liberal envidou pesquisa para averiguar o que os escritores do Novo Testamento teriam realmente escrito.
Em 1517, Martinho Lutero (Martin Luther, 1483-1546) publica as “95 Teses” que dariam origem ao próprio Luteranismo, ao Protestantismo e ao cisma protestante. Este fato geraria uma reação da Igreja Católica, sentida ainda nos séculos XVII e XVIII, que influenciariam a cultura e arte não só na Europa, mas também nas colônias do novo mundo. Veja mais a respeito no texto sobre o Século XVII. A base para os estudos científicos da Bíblia ocorridos durante a reforma foi a obra de Erasmo de Rotterdam, aqui mencionada.
Em 1520, em Lisboa, concluí-se a construção da magnífica Torre de Belém, em estilo Manuelino, que é hoje considerada pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade. Em 1523, Hans Holbein, o Jovem (1497-1543) pinta o retrato de Erasmo de Rotterdam e em 1527, pinta o retrato de Thomas More. Em 1528, Dürer publica seu Tratado das Proporções do Corpo Humano. Em 1529, Lucas Cranach, o velho (1472-1553), pinta o retrato de Lutero. Em 1530 acontece a fundação do Collège de France em Paris, França.
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É claro que não relacionamos aqui toda a produção intelectual e artística do Renascimento, ocorrida entre 1500 e 1530. Os artistas e pensadores aqui citados produziram outras obras nesse período e muitos outros, de grande importância, realizavam também. Contudo, pelos exemplos mencionados podemos perceber que a Europa vive um momento riquíssimo de grande ebulição intelectual e artística. Um momento de reação às sombras da Idade Média.
No Brasil Colônia as sombras apenas começavam a pairar. Foram 30 anos de extração de pau-brasil, com a ajuda de nativos aliciados com presentes. Os portugueses não se fixaram na nova terra nesse período e o medo de perdê-la resulta na primeira expedição colonizadora. Agora a missão de Martin Afonso era ocupar o território. Assim, ao chegar em 1530, funda Igaraçu, em Pernambuco, mas o local continuaria a ser habitado pelos índios Caetés até 1535. Em 1531, constrói um fortim no Rio de Janeiro. Em 1532, funda a Vila de São Vicente, em São Paulo, a primeira fundada pelos portugueses na América. Em 1536 acontece a fundação de Santos, em São Paulo (que seria elevada à categoria de Vila em 1545), por Brás Cubas. A partir disso, sucedem-se fundações de vilas e cidades, das quais mencionamos apenas algumas.
Em 1539 Inácio de Loyola (1491-1556) funda a Companhia de Jesus, em Montmartre, Paris. Este fato é interessante porque os Jesuítas serão personagens importantes no processo colonizatório, embora a ordem dos Jesuítas fosse ainda nova e tivesse sido fundada para fazer frente ao protestantismo.
Com o objetivo de acelerar a ocupação portuguesa na colônia, D. João III cria o sistema das Capitanias Hereditárias, em 1534. Esse sistema duraria pouco tempo, sendo extinto por D. João III em 1548. Serviu para uma rápida ocupação do território, mas deixou reflexos em nossa cultura que permanecem até os dias de hoje.
Agora a colônia precisava de pontes, fortificações e igrejas. Começam a vir de Portugal os primeiros artífices. Artistas seriam improvisados para atender às necessidades catequéticas e algumas imagens religiosas, maneiristas, seriam trazidas de Portugal. Em 1549 chega à Bahia o mestre de obras Luís Dias, trazido por Tomé de Souza, nomeado por D. João III, Governador Geral da colônia.
Nessa mesma expedição de Tomé de Souza chegam vários Jesuítas que irão fundar em 1554 o Colégio de São Paulo, nascedouro da capital paulista. Igrejas, conventos e mosteiros seriam erguidos na colônia durante o século XVI. A Igreja dá sustentação ao projeto português de colonização.
Em 1555, no Rio de Janeiro, os franceses criam a França Antártica. Em 1565, Estácio de Sá funda São Sebastião do Rio de Janeiro e em 1567, os franceses são expulsos daquela cidade. Em 1594, traficantes franceses instalam-se no Maranhão e tentam fixar-se na terra.
No campo das artes plásticas, a arte está a serviço da fé católica, trazida pelo colonizador. Existem muitas obras de arte desse período e também dos séculos XVII, XVIII e início do século XIX, cujos autores são desconhecidos.
Contudo, podemos mencionar alguns artífices cujos registros foram preservados até os dias de hoje: Manuel Álvares – pintor jesuíta; Belchior Paulo – pintor jesuíta; João Gonçalves Viana – escultor (criador das primeiras imagens religiosas no Brasil); Manuel Sanches – pintor; Francisco Dias – arquiteto jesuíta; Frei Francisco dos Santos – arquiteto e Gaspar de Samperes – arquiteto e engenheiro jesuíta.
Nesse período difícil e nesse mundo distante física e intelectualmente de uma Europa renascentista e tão distante de uma Portugal que no Século XVI assiste ao nascimento do poema épico “Luzíadas” de Luís Vaz de Camões (1524-1580) e em meio a artífices religiosos ou não, profissionais ou improvisados, acontece em 1595 um fato emblemático: o nascimento na cidade de Olinda, Pernambuco, da primeira pintora brasileira, Rita Joana de Souza que morreria aos 23 anos de idade, em 1618. Já a arte de nossa terra nasceria muito tempo depois, na manjedoura do Barroco brasileiro.