Nossa Senhora da Conceição com cabelos e traços fisionômicos indígenas
Arte Misioneira dos Sete Povos das Missões
Acervo do Museu Julio de Castilhos
O Século XVII nasce e termina Barroco na Europa. O Barroco europeu tem seu início no final do Século XVI, por volta de 1590, e terminará somente por volta de 1720, embora seus sinais por lá perdurem até meados do Século XVIII. Portanto, o Barroco europeu será a linguagem plástica de todo o Século XVII no velho continente. Para falar do Século XVII no Brasil é preciso olhar um pouco para trás na história da Europa. A transição do Medievo para a era Moderna acontece sem saltos, como é comum a toda transição. Embora a idade média tenha sido um advento europeu, seus reflexos seriam sentidos tardiamente no novo continente. Tardiamente porque o Brasil, por exemplo, nasce em pleno período renascentista, mas a mentalidade colonizadora terá as cores, ou melhor, as sombras medievais. Essas sombras estarão presentes na arte barroca. O Barroco surge depois do Renascimento como produto de um período de forte contraste: de um lado o antropocentrismo e a racionalidade renascentista e de outro lado o tipo de espiritualidade e emoção da Idade Média. Tal contraste se dá porque aquele era um momento em que a Igreja Católica trabalhava para recuperar o espaço perdido com o cisma Protestante (Séc. XVI) e Monarcas se atribuíam poderes divinos, mas a experiência e a filosofia renascentista já estão indelevelmente presentes na cultura européia. Assim, o Século XVII, apresentará quase um retrocesso, quase um mergulho no obscurantismo medieval, que incluiu a sustentação de uma Inquisição, que marcou presença na América, em tribunais Católicos e Protestantes, e que só terminaria por completo em meados do Século XIX. Essa contradição entre o obscurantismo medieval e o humanismo e racionalidade renascentista é a base estética do Barroco europeu. Não é por acaso que essa escola recebe o nome de uma pérola que nasce imperfeita, como que amarrotada. Essa contradição será a característica marcante do Barroco, que traz o homem como centro, mas em cenários de sombras e algumas poucas luzes. É o que se pode observar nas obras de grandes mestres do Barroco europeu como, por exemplo, Caravaggio e Velázquez.
No Brasil são criadas as Missões Jesuíticas, em 1610, o que redundaria em forte impacto sobre a cultura indígena e, naturalmente, sobre sua arte. O Século XVII é um período de afirmação do domínio português na colônia, mas esse domínio enfrentaria conflitos com outros povos da Europa. Em 1612 os franceses, que aqui passaram a se fixar desde o Século XVI, fundam a cidade de São Luís do Maranhão, mas em 1615 Portugal consegue expulsá-los da colônia. O interesse dos franceses, naquele momento, era de exploração e por isso não chegaram a deixar contribuição significativa no campo das artes. Em 1630 os holandeses invadem Pernambuco e em 1637 o Conde Maurício de Nassau (Johann Mauritius van Nassau-Siegen, 1604-1679) torna-se governador do Brasil holandês. Amante da arte, Nassau traz da Holanda os artistas Frans Post (1612-1680), Albert Eckhout (1610-1665) e outros. Em 1644 Nassau volta para a Europa levando com ele Post e Eckhout.
Em 1648 Kaspar van Baarle (mais conhecido como Caspar Barlaeus) publica na Holanda seu relato do Império colonial holandês no Brasil, baseado no período de Nassau. Essa publicação chamou-se “História dos Feitos Recentemente Praticados Durante Oito Anos no Brasil e Noutras Partes sob o Governo de Wesel, Tenente-General de Cavalaria das Províncias-Unidas sob o Príncipe de Orange, de Caspar Barlaeus” e já apresentava mapas do Ceará, da Paraíba, de Pernambuco e de “Pernambuco Boreal”, além de muitas ilustrações daquela região. Outra publicação de conteúdo semelhante foi feita na Holanda por Franciscus Plante, que fora Capelão de Nassau.
Igualmente notável é a produção científica dos holandeses, sob o comando de Nassau, no Brasil. Dela mencionamos a “Historia Naturalis Brasiliae” de Willem Piso (1611-1678) – autor dos quatro primeiros livros, Georg Marcgrave (1610-1644) – autor dos sete livros seguintes, Joannes de Laet (1581–1649) – autor do oitavo livro e colaboradores. Nessa obra encontram-se 429 ilustrações feitas pelos artistas da comitiva de Nassau, algumas xilogravuras de Marcgrave e folha de rosto ilustrada por Theodoro Matham. A obra inicia com quatro livros sobre a Medicina brasileira da época, traz sete livros sobre nossa flora e fauna, sendo três livros sobre botânica, um livro sobre peixes, um sobre pássaros, um sobre quadrúpedes e serpentes, um sobre insetos e um último que descreve a região nordeste brasileira e seus habitantes. Nessa última parte seu autor Laet incluiu um grande vocabulário Tupi compilado pelo Padre José de Anchieta. Por este sucinto relato já é possível aquilatar a grande contribuição que Nassau deixou para o Brasil.
No mesmo ano da publicação daquelas duas obras na Holanda, 1648, explode a primeira Batalha dos Guararapes e em 1649, a segunda. Essas duas batalhas travadas entre portugueses e holandeses no Monte Guararapes colocaria fim às invasões holandesas no Brasil. Em 1654 os holandeses seriam expulsos definitivamente da colônia, mas Frans Post ainda pintaria seu último quadro brasileiro em 1669, “Paisagem Pernambucana”. O olhar europeu e barroco dos artistas holandeses plasmaria imagens que, embora não revelassem a luminosidade tropical, se tornariam importantíssimo registro iconográfico da terra brasileira e suas gentes no Século XVII.
Em 1693 a descoberta de ouro em Minas Gerais mudaria o curso da história do Brasil e da arte brasileira. A escultura no Barroco europeu tem sua exuberância caracterizada pelo predomínio de linhas curvas e drapeados das roupas como, por exemplo, em Bernini (1598-1680), mas o colonizador banhará com ouro brasileiro sua arte barroca, especialmente nos interiores das igrejas e nas imagens em madeira. O Barroco brasileiro também será dourado, porém será a expressão artística de uma gente sofrida e em luta pela sua liberdade e por isso apresentará características muito diferentes do Barroco europeu.No Século XVII a arte feita no Brasil tem um viés religioso e é, em sua grande maioria, realizada por artífices vindos de Portugal. São arquitetos, engenheiros e religiosos que constroem, esculpem e pintam muito mais para atender a necessidades militares, litúrgicas e catequéticas do que artísticas. Mas dentre eles destacaram-se alguns de grande qualidade técnica e expressiva.
São artífices de destaque nesse período: Francisco Frias, engenheiro militar; Padre Francisco Dias, arquiteto; Frei Agostinho da Piedade, escultor; Frei Macário de São João, arquiteto; Frei Agostinho de Jesus, escultor; Frei Domingos da Conceição, escultor; Frei Ricardo do Pilar, pintor; Capitão Antônio Franscisco de Matos, mestre construtor e Lourenço Veloso, pintor.
De qualquer forma a arte produzida nesse período é um registro importante porque nos dá uma idéia do universo cultural posto à mesa de um Brasil em formação. O olhar dos holandeses é o olhar do observador que mostra de fora para dentro o universo exótico do novo mundo. Estudar esse olhar é como assistir a externas de um filme que narra a nossa história. O olhar do colonizador português mostra-nos o universo mental do Brasil colônia. Estudar esse olhar é como assistir a cenas internas do mesmo filme. A análise desses dois olhares deve ir além das questões formais. Se de um lado temos o fazer do artífice profissional e de outro o fazer do artista improvisado, mais preocupado com a utilidade prática do seu artefato. Temos no todo a narrativa complexa do que foram aqueles tempos do Brasil colônia.