Século XVIII

Linguetas de ouro da Real Casa de Fundição de Vila Rica
Ouro Preto – Minas Gerais

O Século XVIII poderia ser chamado de “Século da Mudança”. Passada a escuridão da Idade Média e os primeiros esforços por acender luzes nas almas e nas sociedades do ocidente, durante o Renascimento, o Século XVIII veria o alvorecer de novos paradigmas para a convivência humana. Embora esses arrebóis precisassem de tempo para atingir a plena luz do dia, já contavam com alguma legitimação institucional. Nesse sentido, o período traz a ebulição de um processo que desembocaria em dois marcos umbilicais: o início da publicação da “Enciclopédia”, na França, em 1751 e a Declaração dos Direitos do Homem, em 1789. Esses dois fatos, especialmente o segundo, viriam a desenhar uma nova ordem mundial, sonhada, desejada e ainda por conquistar até hoje, em escala mundial, em sua plenitude.

Em terras brasileiras o Século XVIII inicia sob conflitos entre colonizadores portugueses e colonizados. Em 1708, a Guerra dos Emboabas acaba por mandar 20% de nosso ouro para “os quintos dos infernos” e faz nascer oficialmente a Capitania de São Paulo e Minas, em 1709. No Estado de Pernambuco, a Guerra dos Mascates acontece em 1710 e, embora local, espalha o sentimento anticolonialista e autonomista que ajuda a fomentar o espírito libertário no Brasil. Em 1719, as Casas de Fundição, como eram chamadas, foram criadas com o objetivo de arrecadarem impostos sobre o ouro e combater seu comércio ilegal. A Tensão entre os mineradores e a administração portuguesa chega ao limite e em 1720 explode uma revolta em Vila Rica: cerca de 2000 pessoas arrombam a casa do Ouvidor-Mor para exigir do governador o fim das casas de fundição e a diminuição da taxação sobre o ouro. Sem falar do ouro contrabandeado para a Europa dentro de Santos entalhados em madeira e propositalmente ocos: os “Santos do pau oco”. Como resposta, a coroa portuguesa prende vários mineiros, entre eles Felipe dos Santos que identificado como líder é condenado à morte. Para aumentar seu controle social sobre a região, a coroa divide a Capitania de São Paulo e Minas criando a capitania de Minas Gerais, independente da de São Paulo.

A ânsia por liberdade vai crescendo na colônia. Esse mesmo espírito libertário, como não poderia deixar de ser, está presente na arte. Vivemos um período em que viceja o Barroco em nosso país e esse Barroco é diverso daquele presente em Portugal porque já está eivado do suor que emana da nascente cultura brasileira. O Barroco brasileiro tem sua própria personalidade e é, por assim dizer, tão inconfidente quanto um Aleijadinho que emergirá nos profetas de Congonhas do Campo, no amanhecer do século XIX, porque grita uma estética própria, cabocla, parda, cafuza, já livre em sua essência e identidade. Leia também, o texto “Anônimo Séc. XVI a XIX ” em “Consulta – Lista de Artistas”.

No Velho Continente, é o Rococó que predomina, embora estejam presentes as influências do Barroco e as do Neoclassicismo que desponta com força ainda nesse período. O século XVIII é o tempo de Antoine Watteau, Giovanni Battista Tiepolo, François Boucher, Thomas Gainsborough, Joshua Reynolds e de Thomas Lawrence, entre outros. Na crítica e sátira social, prenunciando o Realismo que viria a surgir na segunda metade do Século XIX, temos William Hogarth. Na linha de frente do Neoclassicismo temos Jacques-Louis David e à frente de todos os “ismos”, Francisco José de Goya y Lucientes.

Para o Brasil-colônia, as mudanças são, via de regra, trágicas. Nesse século acontece o Tratado de Madrid entre Portugal e Espanha, em 1750, que ampliou as fronteiras portuguesas ao sul do Brasil e que acabou por promover um verdadeiro massacre dos índios Guaranis: as “Guerras Guaraníticas”. No final do Século XVIII, os Guaranis sobreviventes já haviam sido escravizados e alguns poucos estavam refugiados. Para falar pouco sobre a cultura indígena, ações colonizadoras, catequizadoras, bem ou mal intencionadas, levam o índio brasileiro a ser aculturado, escravizado ou morto. No mesmo período o Marquês de Pombal proíbe em nossa terra, sob pena de prisão, o uso de qualquer outra língua que não fosse a portuguesa. Cerca de 820 línguas indígenas desaparecem e com elas seu universo semiótico, sua cultura e arte. Esses e outros fatos viriam a fomentar mais e mais o desejo de liberdade na colônia.

Os meios de comunicação são lentos no Século XVIII e o intercâmbio cultural se dá, com maior eficácia, por vontade e determinação dos detentores do poder. O Brasil é colônia de exploração e por isso, embora o colonizador seja europeu, é mantido à distância dos movimentos artísticos emergentes na Europa. Se por um lado esse distanciamento coloca o Brasil na retaguarda de um Barroco que na Europa já se esgotara por volta da segunda década do Século XVIII, por outro lado dá espaço para o desenvolvimento de uma linguagem plástica, que embora de características barrocas, é única e se transforma na primeira manifestação artística genuinamente brasileira.

Contudo, a influência que o colonizador não consegue evitar é a do pensamento. Não é por acaso que no Velho Continente a Revolução Francesa irrompe em 1789 e com ela o mundo vê nascer a Declaração dos Direitos Humanos. Enquanto por aqui, no mesmo ano de 1789 eclode a Inconfidência Mineira. Analisar as causas, circunstâncias e conseqüências dos dois eventos foge ao escopo deste texto, mas é perceptível que os ventos da liberdade sopravam de continente para continente. Essa liberdade brota espontaneamente no Barroco brasileiro e se manifesta em obras como as intrigantes figuras dos Passos da Paixão, realizadas pelo Aleijadinho para o Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, entre 1796 e 1798, na cidade mineira de Congonhas do Campo, sob calor da dor causada pelo desmantelo violento da Inconfidência Mineira que culminou com a morte e esquartejamento de Tiradentes em 1792. Aleijadinho cria figuras de soldados híbridas entre romanos e portugueses, conferindo-lhes um ar caricato e um Jesus que aparece sempre com uma gritante marca de corda cor de sangue no pescoço. Uma obra que faz velada referência ao martírio de Tiradentes enquanto relata a paixão de Cristo. Falando em Cristo, o Brasil ainda haveria de esperar por 33 anos por sua independência, após o advento da Inconfidência Mineira. Uma coincidência.

Além de Antonio Francisco Lisboa – conhecido como “O Aleijadinho” e Manuel da Costa Ataíde, chamado “Mestre Ataíde” (também mencionados no texto recomendado acima), durante todo o século XVIII surgiriam por todo o país edificações, especialmente fortificações, palácios governamentais e muitas igrejas, notadamente barrocos. Seus arquitetos, escultores e pintores, nascidos aqui, vindos na maioria dos casos de Portugal e por vezes de outros países europeus, inscreveram seus nomes na história da arte brasileira. Podemos mencionar nomes como os de Antonio José Landi (arquiteto italiano); Antônio Pereira de Souza Calheiros (arquiteto); Antônio Rodrigues Belo (pintor); Antônio Simões Ribeiro (pintor); Bernardo Pires (pintor); Caetano da Costa Coelho (pintor); Francisco João Róscio (arquiteto); Francisco Nunes Soares (arquiteto); Francisco Xavier de Brito (pintor); Frei Jesuíno do Monte Carmelo (pintor); João Álvares Correa (pintor); João Batista Primoli (arquiteto); João de Deus Sepúlveda (pintor); João Nepomuceno Correia e Castro (pintor); Joaquim José Codina (Pintor); José Cardoso Ramalho (arquiteto); José Coelho de Noronha (escultor); José Custódio de Sá e Faria (arquiteto); José Fernandes Pinto Alpoim (arquiteto); José Joaquim da Rocha (pintor); José Joaquim Freire (Pintor); José Patrício da Silva Mando (pintor); José Teófilo de Jesus (pintor); Manuel Cardoso de Saldanha (arquiteto); Manuel de Brito (entalhador); Manuel Ferreira Jácome (arquiteto); Manuel Francisco Lisboa (arquiteto); Manuel Inácio da Costa (escultor); Manuel Rebelo de Souza (pintor); Mestre Valentim (arquiteto), Miguel Pereira da Costa (arquiteto) e Silvestre de Almeida Lopes (pintor).

O Barroco brasileiro tornou-se uma linguagem artística presente até mesmo nas festas populares brasileiras; no teatro jesuítico onde vemos, por exemplo, as imagens de roca ou as de vestir; nas esculturas; pinturas, decoração e arquitetura. Esse Barroco da colônia é uma arte que mistura amor e dor. Tem um quê de Gótico e às vezes prenuncia o Expressionismo. É ímpar.

O Século XVIII apagará suas luzes em pleno esplendor do Barroco brasileiro: de norte a sul, em todo o território nacional.