Um olhar sobre as artes plásticas no Brasil

Recoser II – P.Cavalheiro – 2008

Os textos a seguir são focados na arte brasileira, seus fatores geradores e desdobramentos. Nosso objetivo é oferecer ao leitor textos sucintos que, longe de procurar esgotar os temas abordados ou até mesmo longe de abordar todos os aspectos contextuais de cada período, possam auxiliar na compreensão e fruição de obras de arte brasileiras e brasilianas. A maior pretensão de nossos textos é oferecer pistas, caminhos, para que o interessado empreenda sua viagem na pesquisa sobre a trajetória da arte no Brasil.

Quando estudamos a história da arte no mundo, rapidamente percebemos que para entendê-la em uma linha do tempo, necessitamos de algumas tabelas de conversão porque a contagem do tempo se deu de formas diferentes nas diversas regiões do globo. E, apesar da globalização, existem ainda hoje no mundo diferentes calendários porque a contagem do tempo, não obstante o saber no campo da astronomia, tem um viés cultural.

Para que se tenha uma idéia da variação referencial nos diferentes sistemas de contagem de tempo existentes, tomemos o ano de 1413 quando o grande arquiteto Filippo Brunelleschi (1377-1446), ainda escultor e ourives à época, e seu amigo o genial escultor Donatello (Donato di Niccolò di Betto Bardi; c. 1386-1466), esculpem dois crucifixos em madeira: Donatello para a Igreja da Santa Cruz e Brunelleschi para a Igreja de Santa Maria Novella, ambas em Florença. Na “Caixa de Sapatos” você encontra o texto “Como se Conta o Tempo”, onde demonstramos a que ano corresponde, em outros calendários, o ano de 1413.

No Brasil é adotado o calendário Gregoriano, que substituiu o calendário Juliano, desde seu aparecimento em 1582. Em que pese a grande influência africana em nossa arte, especialmente na música, e em nossa cultura; em que pese a influência de culturas indígenas na formação da cultura brasileira; em que pese a influência posterior de vários povos de todos os cantos do planeta que para o Brasil vieram; a base de nossa cultura, por força do processo colonizatório, é européia: da contagem do tempo à estrutura de nossas primeiras universidades.

Os textos que se seguem após este, especialmente os do Século XV até o da primeira metade do Século XX, denotam os movimentos artísticos europeus e seus contextos como referências no caminhar da evolução da arte no Brasil. E há um porquê para isso: a colonização do Brasil é feita, entre acertos e erros, em meio a difusas intenções e motivações diversas, por europeus. Assim, temos aqui uma inescapável conseqüência: nossas artes visuais estarão fundamentalmente relacionadas à arte européia. Por isso é necessário o estabelecimento de relações de causas e conseqüências entre manifestações artísticas européias e brasileiras, e seus contextos sociais, políticos e culturais, ao estudarmos a história da arte no Brasil.

Temos no Brasil muitos brasis diferentes. Um grande corpo com membros distintos de bela complexidade e riqueza cultural. Arte não é doença nem cura: arte é sintoma. A arte é o sintoma que evidencia os estados de um corpo social e, vista sob esse prisma, nos revela muito sobre a vida desse corpo na esteira do tempo. Por isso a importância de preservar o patrimônio artístico de um povo. Preservá-lo é preservar um tipo de registro quase que insofismável porque escrito em toda a parte pela percepção consciente e subconsciente daqueles que o destino quis converter em indicadores sensíveis dos sintomas de seu tempo. Pode-se maquiar a história escrita, contar versões mais adequadas para fatos desairosos, mas é difícil comandar o subconsciente de um artista. Passado o tempo, surgem os que conseguem ler a obra de arte em toda a plenitude de seus significados e, então, a história é resgatada. Tomemos como exemplo Pieter Bruegel, o velho, que pintou em 1568 o quadro “A Parábola dos Cegos”, ilustrando a passagem do Evangelho de Mateus, em 15:14, mas fazendo alusão direta ao sistema de poder que testemunhou em sua época.

A radiografia que a arte faz de seu tempo, pode instrumentar-nos com algo muito mais eficaz do que a esperança, tantas vezes vã, tantas vezes irracional, tantas vezes manipulada: a capacidade de ver a realidade, compreender os processos e, a partir disso, construir um futuro sólido.

Os textos aqui apresentados entreabrem algumas portas. Podemos olhar através de seus vãos para ver um pouco de nosso passado ou abrir essas portas, num mergulho maior de pesquisa, para viajar no tempo. Seja bem vindo.